Ontem pela manhã recebi um e-mail do Sr. Ayauly Akylkhan, Presidente do Conselho da Associação Americana Cazaque. Uma copia da carta que ele havia enviado à HFPA – Hollywood Foreign Press Association, organização da qual não faço parte, mas por ser um jornalista estrangeiro acreditado junto a MPAA (Motion Picture Association of America), fui incluído:
“6 de janeiro de 2021
Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood
Ao
Sr. Ali Sar, Presidente.
Conselho de Administração
& Todos os membros votantes da HFPA
Caro Sr. Sar, Diretores do Conselho, Membros votantes da HFPA,
A comunidade cazaque americana, ao lado da comunidade cazaque mundial e
18 organizações internacionais e domésticas representando milhões de pessoas em
todo o mundo, estão convocando você e sua organização a se posicionarem contra
o racismo e a intolerância do Filme Borat Subsequente. Ao longo do filme Sacha
Baron Cohen, Maria Bakalova, o elenco e a equipe promovem branqueamento,
estereótipos étnicos, racismo, apropriação cultural e xenofobia.
A comunidade cazaque em todo o mundo é sub-representada. Os cazaques são
nativos da Ásia Central, ainda se recuperando de um passado colonial opressivo,
e não têm representação substancial da mídia. Cohen entende isso e explora o
Cazaquistão sequestrando sua identidade étnica e lavando-as. Cohen vai além de
qualquer padrão moral ou ético, retratando o povo cazaque como misógino,
incesto, antissemita, bárbaro e retrógrado, e o público ocidental o leva a
valor facial devido ao uso de símbolos e linguagem nacionais cazaques reais.
Desde 2006, os cazaques em todo o mundo têm relatado casos de assédio
sexual e físico, bullying e perda de emprego como resultado direto de Borat. As
crianças cazaques têm medo de dizer que são cazaques. Mulheres cazaques relataram
assédio sexual por pessoas alheias ao fato de que as tradições nacionais
cazaques não incluem rituais sexuais, danças e incesto, como é sugerido pelos
filmes de Borat. Em geral, Borat causou sofrimento mental aos cazaques, traumatizando
uma jovem nação que sobreviveu ao nazismo e ao comunismo. Isso não é
"apenas comédia" ou "diversão inofensiva", esses filmes têm
um impacto direto em milhões de pessoas reais que vivem em todo o mundo.
Considerando o clima político social e racialmente consciente de hoje, é
inacreditável que um filme racista que repreende abertamente, intimida e
traumatiza uma nação de pessoas de cor é uma forma aceitável de entretenimento.
Embora o filme de Borat exponha a intolerância no público americano, um
filme não pode contrariar a intolerância contra algumas pessoas enquanto se
envolve ativamente em intolerância contra outras pessoas. "Racismo
irônico" ainda é racismo. Vários meios de comunicação de massa relataram
racismo em Borat (Variety, Guardian, Independent, CNN, Yahoo). Embora veículos
como o The New York Times indicassem que o Cazaquistão abraçou a sequência de
Borat porque a National Kazakh Tourism Company (NKTC) usou o slogan "Very
Nice" em sua campanha publicitária, isso não é preciso. O NKTC é uma
empresa semiprivada e a ideia foi lançada e implementada por um cidadão
americano branco, Dennis Keen, que usou essa oportunidade para obter ganhos
financeiros.
A posição oficial do Ministério das Relações Exteriores do Cazaquistão
afirma: "Tanto o povo do Cazaquistão quanto seus símbolos nacionais são
ridicularizados para fins provocativos. Na verdade, o filme [Borat] tem uma
forma pronunciada de racismo e xenofobia. Nossos cidadãos estão justamente
indignados com os ataques racistas flagrantes."
Em 2006, Mr. Cohen recebeu o Golden Globes Award de melhor performance,
enquanto Borat foi indicado para melhor filme (Comédia ou Musical). Isso não
deve acontecer novamente em 2021. Convocamos os membros votantes da Associação
a se levantarem contra o racismo em Hollywood e entretenimento, não votando em
Borat Subsequente Moviefilm, seu elenco e equipe. Não há lugar para o racismo
em 2021.
Ayauly Akylkhan
Presidente do Conselho da Associação Americana cazaque
Gia Noortas,
Membro do Conselho da Associação Americana cazaque
CEO Hollywood Film
Academy LLC
Nihad Awad
Diretor Executivo Nacional
Conselho de Relações Americano-Islâmicas
Hiba Rahim
Coordenador Regional de Tampa Bay
Conselho de Relações Americano-Islâmicas – Flórida”
Achei interessante a questão e me fez ficar pensando nesse dilema, afinal sou jornalista, mas também roteirista e de humor.
Por coincidência isso aconteceu poucos dias
depois da palhaçada engendrada em Washington pelos seguidores de Mr. Trump,
empurrando os EUA para o perigoso terreno da galhofa política, dando a nós,
autores cômicos, mais material pra criticar através de piadas...
Como jornalista que sou, antes de me manifestar, fui ouvir as partes envolvidas e buscar informações. Em ato continuo escrevi a amigos meus que são membros da HFPA e pedi a posição oficial da entidade a essa carta. Essa foi a resposta que recebi:
“O HFPA leva a sério todas as questões de abuso ou discriminação em
potencial. A HFPA também está comprometida
com a liberdade de expressão artística e em deixar a consideração de qualquer
filme até o julgamento dos eleitores do Globo de Ouro.
Ali Sar, Presidente da HFPA
Em nome do Conselho de Administração da HFPA”
Escrevi também para o departamento de publicidade internacional da TWENTIETH CENTURY FOX, distribuidora dos filmes de Borat e pedi a posição oficial do estúdio frente a questão. Assim como o PR pessoal do ator e diretor Sacha Baron Cohen. Até o presente momento essas duas partes não me deram retorno (assim que emitirem uma resposta, prometo postar).
”O Cazaquistão é oficialmente um país transcontinental localizado
principalmente na Ásia Central, com uma porção menor a oeste do rio Ural, no
leste europeu. Ele cobre uma área terrestre de 2.724.900 quilômetros quadrados e
compartilha fronteiras terrestres com a Rússia no norte, China no leste, e Quirguistão,
Uzbequistão e Turquemenistão no sul, ao mesmo tempo em que se junta a uma
grande parte do Mar Cáspio no sudoeste. O Cazaquistão não faz fronteira com a
Mongólia, embora estejam a apenas 37 quilômetros de distância... O Cazaquistão
é o oitavo maior país do mundo. Possui uma população de 18,3 milhões de
habitantes... O território do Cazaquistão tem sido historicamente habitado por
grupos e impérios nômades. Na antiguidade, os citas nômades habitavam a terra e
o Império Asquemêmido Persa expandiu-se em direção ao território sul do país
moderno. Nômades turcos, que traçam sua ascendência a muitos estados turcos,
como os khaganatos turcos, habitaram o país ao longo de sua história. No século
XIII, o território foi subjugado pelo Império Mongol sob Genghis Khan... Em
1936, tornou-se a República Socialista Soviética cazaque, parte da União
Soviética. O Cazaquistão foi a última das repúblicas soviéticas a declarar
independência durante a dissolução da União Soviética em 1991.”
Resolvi pesquisar também algumas
das questões que dariam consistência a crítica cômica que o personagem criado
por Sacha Baron Cohen, o Borat, evidencia em seus filmes e que o Sr. Ayauly
Akylkhan refuta como sendo verdadeiras. Descobri que em 2015 um relatório do Human Rights Watch das Nações Unidas,
que “a situação dos direitos humanos no país é inaceitável e mudanças de longo
alcance são necessárias”. Os direitos de mulheres, gays e demais elementos LGBT
do país também é precária. Mas certamente a imagem
que Sacha apresenta de Borat e seus conterrâneos é exagerada,
para efeito cômico. Ainda assim, certamente ele pegou pesado. Quem diz isso é o jornalista em mim.
Já o roteirista
de comédia, que eu também sou, contra-argumenta que a proposta do humor, principalmente
o político, é mostrar que o rei está nu. No caso
de o GRANDE DITADOR de Chaplin, a crítica foi suave, se comparada com a
realidade histórica. Ele assim o fez, porque na época ninguém tinha certeza de
até onde iria a loucura do ditador alemão.
No caso do Cazaquistão,
um país que somente há 30 anos saiu do regime comunista, ainda tem muito
caminho pela frente para se adaptar as benesses e obrigações de uma vida 100% democrática,
em todos os sentidos. Pra arbitrar essa disputa entre Borat e cazaquistaneses ofendidos,
só indo lá pra conferir. Torço para que nesse
processo de modernização, os 70% da população que é muçulmana (de acordo com o
Censo de 2009), não empurre o país para o outro lado, o de uma radicalização
islâmica, como vem acontecendo em certas áreas do oriente. Por enquanto a
Constituição do Cazaquistão garante que ele é um estado laico...
Dito tudo
isso, paro pra pensar no nosso cantinho do planeta – o Brasil varonil. Penso e
rezo para que nenhum comediante olhe para nós e as notícias
que vem de nossa terra e decida produzir um “Borat” tupiniquim.
Nesses anos
todos de vida, morei muitos deles no exterior – EUA, Europa e Oriente Médio – e
durante todo esse tempo, quando revelava, que apesar de minha aparência ariana,
eu era brasileiro, as respostas sempre foram as mais positivas. Todo mundo
amava o Brasil. Muitos de nós nos vemos como o coco-do-cavalo-do-bandido,
mas para o mundo o Brasil era a terra de gente alegre, bonita, bacana, inteligente
e descolada. Gente como Tom Jobim, Gisele Bündchen, Pelé, Paulo Coelho,
Airton Senna, Sonia Braga, Machado de Assis, Xuxa, Rodrigo Santoro, Caetano
Veloso, Jorge Amado, Roberto Carlos e tantos outros grandes nomes nacionais.
Mas agora, com o presidente atual e seu elenco de idiotas oficiais a sua volta,
cometendo barbaridades a cada momento, ganhando manchetes mundiais, espelhando
nossa vergonha e absurdos, as possibilidades de vir muita gozação pra cima de
gente é enorme.
Muito
triste o que esta acontecendo no Brasil. Muito triste a imagem destrutiva de
nossa nacionalidade que está sendo projetada para o mundo. É apenas uma questão de tempo para que depois de BORAT, e do DITADOR,
Sacha volte seu olhar crítico para nós e crie uma versão cinematográfica do
nosso “presidente” para as telas do mundo.