O crítico americano
Lawrence Clark Powell definiu uma criação como sendo “clássica” por se manter
sempre “moderna e seu autor, embora morto há muito tempo, continuar falando a
cada nova geração”.
Nesse sentido o VIDEO
SHOW realmente era um programa de TV clássico. Apesar da ideia original ter se
transformado ao longo dos anos – e talvez por isso mesmo ter perdido a eficácia
em obter audiência – mas era um programa eternamente “novo” e seu criador,
Ronaldo Curi continuou assim a falar às novas gerações.
Fiquei sabendo que no
ultimo programa da série não mencionaram o Ronaldo Curi, seu criador. O que
realmente foi uma injustiça. O VIDEO SHOW foi criação total dele. Um projeto
que ele colocou no ar e cuidou, enquanto foi seu diretor, como mais um de seus
filhos. Com carinho, dedicação total e muito zelo.
Eu conheci Ronaldo e o
programa poucos meses depois de ter começado, em 1983. Eu estava saindo de um
projeto com vida curta, o COMETA LOUCURA, que fora criado para substituir o GERACAO
80 que eu recebi das mãos do Paulo Coelho. O COMETA foi criado pelo Ayres
Vinagre, eu e o Ronaldo Bôscoli. A proposta era boa – unir humor e música jovem
-- mas entre a elucubração e a realização, morremos na praia.
Fui então designado
para tomar parte no VIDEO SHOW que começava a decolar. Pouco depois de entrar,
vieram também o Rixa Xavier, o Mauro Wilson e o Paulo de Andrade. Tudo sangue
novo e pronto pra dar um reforço no time de redatores do VIDEO SHOW, que na
época contava com veteranos como o Papinha, o nosso querido Hilton Gomes.
O VIDEO SHOW surgira na
cabeça do Ronaldo, um homem de TV que já havia feito de tudo na televisão e
entendia tanto da parte artística, quanto da parte técnica de se fazer TV. Para
se ter uma ideia, quem criou a abertura do programa, seja a edição de imagens,
seja a escolha da música – um trecho instrumental do sucesso de Michael Jackson
“Don’t Stop ‘Til you Get Enough” (1979) e que até hoje era usada na abertura do
programa – tudo isso saiu da cabeça do Ronaldo. Além de entender muito de TV,
ele era um músico apaixonado por Rock’n Roll.
Homem de poucas
palavras, mas muito sensível, Ronaldo notou que seus jovens agregados tinham
boa cabeça e talento. E resolveu investir na gente. Nos mandou para o prédio
266 da Jardim Botânico, onde a Globo tinha uma área de treinamento e nos fez
aprender a editar com maquinas U-Matic (3 ¾), Equipamento de edição
profissional, que na época era usado pelo jornalismo.
Os 4 cavaleiros do
apocalipse – eu, Rixa, Mauro e Paulo – tínhamos que semanalmente produzir 4
matérias editadas de 2 minutos, para serem usadas no programa no fim de semana.
Cada roteirista tinha uma estante onde colocava as fitas em que estava
trabalhando. A pesquisa de imagens e pauta corriam por nossa conta. Cada um de
nós tinha que bolar algo, pesquisar e apresentar na reunião. Éramos o único programa da linha de show que
abusava do pessoal da pesquisa da Globo. Tanto do pessoal do CEDOC de imagens
(Vera e Petit), como as moças da pesquisa de texto (Laura, Silvia e demais pesquisadoras).
E, todos os dias, de 1 as 4, entravamos com nossas fitas nas ilhas de edição U-Matic
do jornalismo, na Vênus Platinada, para editar nossas matérias sozinhos. Era
uma farra. Anos a frente, os 4 fazíamos algo que só seria possível, anos
depois, com o advento dos computadores pessoais, os celulares de hoje e demais
programas de edição. Foi um dos momentos mais bacanas da minha vida
profissional. Uma grande escola. E, o resultado é que a audiência do VIDEO SHOW
só fez crescer e criar um público cativo.
Naquele tempo o VIDEO
SHOW não fazia reportagens somente sobre a produção da própria emissora. Na
verdade, seguindo orientação da direção geral, não podíamos mostrar muito os
bastidores da Globo, porque achavam que a gente estaria “destruindo a mágica”
na mente do público... Com isso tínhamos que buscar conteúdo em outras fontes,
abrangendo todo o mundo audiovisual restante.
Isso tudo aconteceu
muito antes do Google e do Youtube. A gente escrevia o programa em maquinas de
escrever não elétricas... A MTV começava a se estabelecer com seus Music Vídeos
e a gente mostrava tudo que havia de interessante ligado ao mundo das imagens.
Eu e Paulo Andrade
traduzíamos os musicais da MTV do inglês para o português, para que o público
pudesse entender a letra das músicas. E o Rixa já garimpava imagens de novelas
e seriados para editar sessões infindas de beijos, tapas e outras curiosidades.
Nesse clima, eu
aproveitei para me dedicar aos assuntos que me encantavam, como o cinema. Criei
entrevistas impossíveis com astros do cinema como Burt Reynolds e Roger Moore,
respondendo perguntas insolentes feitas pela Carla Camurati e dubladas pelos
dubladores oficiais da Globo, desses artistas.
Também comecei uma
serie sobre a história do cinema, usando o arquivo de imagens da própria Globo
e que fez sucesso ao ponto de receber um memorando elogiativo do Boni, coisa
muito rara na época. Ele em geral só escrevia memorandos pra esculachar.
O que mais me orgulho desse
tempo, foram as matérias que criei e que resgataram um pouco a memória
nacional. Como as máximas do Barão de Itararé, ilustradas com imagens de
arquivo do próprio Aparício Torelli; o primeiro punk do mundo – Augusto dos
Anjos – com atores, cenário e musica para mostrar como a poesia dele já era
atual no início do século XX; uma entrevista impossível com Nelson Rodrigues,
com Lucélia Santos fazendo as perguntas e Nelson respondendo através de trechos
pinçados de suas antigas entrevistas, que tínhamos no CEDOC. E, a mais legal -
reunir o Falcão Negro (TV Tupi) do Rio, Gilberto Martinho e o de São Paulo, José
Parisi, com suas fantasias, pela primeira vez apresentadas em cores na TV desde
os anos 50 e 60.
Ronaldo nos deixou voar
alto e criar, mesmo dentro de um simples programa de variedades. Além de
música, ele era ligado no que se fazia de melhor e mais inovador no exterior em
matéria de humor. Eu já conhecia o Monty Python de uma época que havia vivido
na Inglaterra, mas foi ele quem me apresentou ao sensacional falso-documentário
“The Rutles”, criado por Eric Idle do Monty Python, nos anos 70. Uma paródia
dos Beatles que acabou lançando até disco de sucesso na Grã-Bretanha.
Foi também o Ronaldo
quem me apresentou ao “Saturday Night Live” e seus esquetes. O TV PIRATA só
surgiu em 1988, mas em 1983 e 1984, A gente já fazia no VIDEO SHOW esquetes do
tipo dos do SNL.
Escrevo tudo isso
porque agora que o programa acaba e pouco se falou no Ronaldo, achei importante
resgatar essas memorias. E também escrevi para dizer que talvez se tivessem
olhado o que o programa fazia no seu gênesis, com sua riqueza de conteúdo e
criatividade, poderiam ter encontrado um caminho para salva-lo e recuperar a
sua audiência.
Sei também que o Rixa,
o ultimo dos mosqueteiros (nosso D’Artagnan), ao longo dos anos, tentou
imprimir um pouco dessa criatividade e inovação no programa. Sempre que o
ouviram, a coisa deu certo. Sempre que não seguiram suas sugestões, a canoa
virou...
Nos últimos tempos o
VIDEO SHOW mudou de apresentadores numa ciranda sem fim. Mas a apresentação do
programa nunca foi seu ponto forte.
Quando o programa
começou ele tinha apenas uma apresentadora. Como não havia verba para
teleprompter e eles demoravam pra gravar pelas dificuldades de decorar as falas
das cabeças. Ronaldo então resolveu o problema convocando para a presentar o
programa, vários atores da casa que estavam contratados, mas fora das novelas.
O rodízio de apresentadores resolveu o problema e deu ao programa um ar de “bastidores
da TV” com caras diferentes e conhecidas na sua apresentação. Era tão barata a
produção que o set do programa era uma ilha de edição da emissora usada quando
não estava editando nada... Pouco dinheiro, mas muita criatividade e
imaginação, esse era o segredo do sucesso do VIDEO SHOW.
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