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In a career spanning over 30 years of experience in journalism, TV production, film and TV scripts, Wladimir Weltman has worked for some of the most important companies in the industry in the USA and Brazil. Numa carreira que se estende por mais de 30 anos de experiência em jornalismo, produção de tevê, roteiros de cinema e TV, e presença frente às câmeras Wladimir Weltman trabalhou em algumas das mais importantes empresas do ramo nos EUA e no Brasil.

domingo, 20 de setembro de 2020

70 ANOS DE TV - #1 - o Cecil B. De Mille da Televisão Brasileira

Pensando nessa data e lembrando os meus 39 anos de televisão, vejo que tive o privilégio de conviver com alguns dos pioneiros da TV brasileira, que muito me influenciaram profissionalmente. Hoje falo do meu querido Mauricio Sherman, que melhor do que ninguém, esteve desde o começo ligado a essa mídia tão querida.

Ele faleceu ano passado, no dia 17 de outubro. Tivesse esperado um pouquinho mais e poderia ter participado dessa data, contando sua vivência, importante para a TV no Brasil. Em 2011 o entrevistei para uma reportagem da Revista CONTIGO e aqui incluo trechos dessa conversa com ele, no seu confortável apartamento de Ipanema, de frente para o mar:

Resumir a vida, as histórias e as glórias de Maurício Sherman em poucas linhas é como espremer “Guerra e Paz” de Tolstói num folheto de cordel. Simplesmente não dá. Ele fez de tudo e bem feito. Em 68 anos de carreira Sherman atuou em todas as áreas do “show business” brasileiro. E fez isso inovando, chamando atenção, gerando polêmica, admiração e respeito. Os profissionais do ramo referiam-se a ele como “mestre”. E a lista de gente com quem Sherman trabalhou parece a seleção das celebridades do século XX e XXI. A lista é pra humilhar! Vai de Carmem Miranda e Lisa Minelli; de Fernanda Montenegro, Marília Pêra, Bibi Ferreira e Cidinha Campos à Angélica e Xuxa; de Watson Macedo, Carlos Manga e Glauber Rocha à Walt Disney; de Getúlio Vargas à Lula, passando por Carlos Lacerda e Juscelino Kubitschek; de Dercy Gonçalves, Grande Otelo e Oscarito à Procópio Ferreira, Paulo Autran e Sérgio Brito; de Flávio Cavalcanti, Jota Silvestre e Hebe Camargo à Chacrinha e Faustão -- os grandes nomes do Brasil e do mundo o conhecem, trabalharam com ele. Num país dividido entre flamenguistas, corintianos e cruzeirenses, Sherman é unanimidade. O cara sabia das coisas. Mas na hora de melhor definir esse gênio ruivo de Niterói, buscamos ajuda de outro mestre, o escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues, que chamou Maurício Sherman de “o Cecil B. De Mille da Televisão Brasileira”.

Como sempre, Nelson Rodrigues estava certo. Apesar do amor fiel ao palco (mais de 40 produções como ator e/ou diretor), ao cinema (5 filmes como ator e outros tantos como dublador, inclusive de CINDERELA e 101 DALMATAS de Walt Disney) e até ao rádio (ele trabalhou em mais de 10 emissoras), o próprio Sherman admitia que sua grande paixão é e sempre foi a tevê: “Mesmo quando logo no início”, ele conta “o pessoal do teatro e do rádio esnobava a televisão, eu já queria muito trabalhar nela. Eu sempre gostei de TV”.

Em 1951, atraído pela nova mídia e antevendo o seu potencial, Sherman resolveu que tinha que fazer parte da coisa. Batalhou por um lugar ‘ao sol’ sob os holofotes da TV Tupi como figurante e assim tornou-se testemunha de gafes antológicas: “Eu fazia qualquer coisa para entrar na tevê. Topei trabalhar como figuração num teleteatro sobre a paixão de Cristo. Eles pegaram o único judeu presente e vestiram de soldado romano; me colocaram ajoelhado na frente do Jesus crucificado. A tevê era ao vivo. Não dava pra parar e regravar. O que acontecia em cena ia pro ar, do jeito que fosse. O estúdio era pequeno e fazia calor. Foi aí que apareceu uma mosca “herética” e posou bem na testa do Cristo. Sem cerimônia ela resolveu andar pela sua cara. O ator a acompanhava preocupado. Os olhos dele se reviravam seguindo a mosca. Dava pra sentir o seu desespero. Mas quando a mosca resolveu entrar na narina, o Cristo não aguentou e tacou um tapa certeiro na própria cara. Até hoje os teólogos tentam explicar como o braço do Jesus, que deveria estar pregado na cruz, fez aquilo. Essa gafe se tornou histórica”.

Nessa época o Teatro de Equipe, do qual ele fazia parte, foi para São Paulo apresentar a peça “Massacre”. A peça foi um sucesso e a TV Tupi de São Paulo, que apresentava uma peça ao vivo toda semana, resolveu convidá-los. A peça fez sucesso na TV também. Pedidos de reprise não paravam de chegar. Como era ao vivo, tiveram que reencená-la de novo. Foi aí que ele ficou amigo de todo mundo da TV Tupi paulista e Cassiano Gabus Mendes, que era o diretor da emissora, convidou-o para trabalhar na Tupi, integrando a equipe do “O Sítio do Pica-pau Amarelo” de Monteiro Lobato, produzido por Julio Gouveia e Tatiana Belinki. Os primeiros adaptar a obra para a televisão.

Na TV Tupi do Rio, Sherman virou assistente do diretor de um teatro policial. Só que o cara ficava mais tempo no bar do que no set de TV e Sherman tornou-se o diretor efetivo do programa. Foi quando o diretor da emissora resolve mandá-lo dirigir o programa da estrela da casa: “Era o programa da Heloisa Helena, a Suzana Vieira da época. Uma diva. Quando entrei no estúdio pra ensaiar ela se virou pra mim, na frente de toda a equipe e disse: ‘Eu não trabalho com neófitos’. Heloisa saiu batendo porta -- ‘vou falar com o Cassiano agora mesmo’! e foi-se. Daqui a pouco voltou de crista baixa. A dirigi e ela gostou e a partir desse dia tornou-se minha amiga. Nunca mais fez mais nada sem me consultar. Foi assim que eu finalmente me tornei um diretor de TV com todas as insígnias e honras”.

De lá pra cá Maurício Sherman trabalhou na maioria das televisões brasileiras – TV Tupi, TV Excelsior, TV Globo, TV Bandeirantes, TVE e TV Manchete. Muita gente famosa foi parar na televisão através de suas mãos: “Daniel Filho, Paulo Francis, Paulo Autran, Sérgio Cardoso, Agildo Ribeiro, Herval Rossano, Isaac Karabichevsky, Pelé, Cidinha Campos, Max Nunes, Jorge Amado, Carlos Lacerda, Alcione, Clodovil, Xuxa e Angélica”, ele inúmera de memória. “Claro que eu não lancei todos esses, mas muitos apareceram na TV pela primeira vez através de meus programas”.

Sobre a televisão em que mais gostou de trabalhar, ele respondeu que: “Fiquei mais tempo na Globo. A Tupi representou um momento importante na minha formação. Foi minha escola. Já a TV Excelsior representou um grande momento da televisão brasileira, quando havia um marasmo geral nas outras emissoras. A qualidade havia caído muito. A Excelsior recuperou o brilho da tevê. Foi a primeira emissora a dar um salto gigantesco na profissionalização e na valorização das equipes de tevê. E a Globo, nem precisa dizer, é a mais importante. Solidificou o conceito profissional da televisão brasileira moderna, baseada na qualidade. Sei que toda vez que foi cravado um marco importante no desenvolvimento da tevê brasileira, por coincidência ou não, eu estava presente”.

Ao longo desses 68 anos Sherman dirigiu alguns dos programas mais importantes da TV brasileira: Noite de Gala, Espetáculo Tonelux, Festivais Universitários, Festival do Carnaval, Programa Flávio Cavalcanti, O Céu é o Limite com J. Silvestre, Programa Hebe Camargo, Cidinha Livre, a novela Jerônimo, o Herói do Sertão, Fantástico, Decisão Pública, Bar Academia, TV Colosso, Vídeo Show, Domingão do Faustão - num total de mais de 4 mil programas.

De todos esses, os mais queridos são os humorísticos. Sherman admitia que tinha um toque de Midas no que se refere ao humor. Ele criou e dirigiu humorísticos que marcaram época. Nos primórdios da tevê brasileira, na TV Tupi, ele dirigiu os programas Pernas Pro Ar, Rua do Ri-ri-ri, Tudo é de Graça, Pintando o Seis e Show de Sorriso: “Esse foi o primeiro programa de TV que Oscarito, o astro do cinema nacional, resolveu participar”, conta Sherman. “Ele achava que não ia dar certo, porque a televisão tinha preconceito com ele. Estava errado. O programa foi um sucesso. E foi também o primeiro caso de merchandising perfeito. O Show de Sorriso era patrocinado pela pasta de dente Kolynos”. 


Nos anos 60 e 70, na TV Excelsior e na recém inaugurada TV Globo, Sherman comandou o My Fair Show, Os Engraçados, Os Impagáveis, Bairro Feliz, Riso Sinal Aberto, TV-O Canal Zero, TV 1 Canal 2, O Hotel do Porteiro Doido (com Paulo Silvino), Chico Anísio Show, Lé Com Lé, Crê Com Crê e Central do Riso, Moacir Franco Show, Faça Humor Não Faça a Guerra, o Programa Dercy Gonçalves, os Trapalhões, a TV Colosso e por mais de 15 anos foi campeão absoluto de audiência nos sábados à noite na TV Globo, com o Zorra Total: “Eu gosto muito de dirigir humor. Mas ao contrário do que parece, humor é coisa séria. Precisa de texto bom e, principalmente, aquela gente especial – os comediantes. Ao longo desses anos tive o privilégio de trabalhar com alguns dos gênios do humor brasileiro, nomes como Chico Anísio, Agildo Ribeiro, Jô Soares, Renato Corte Real, Paulo Silvino, Grande Otelo, Oscarito, Dercy Gonçalves, Costinha, Renato Aragão e o resto dos trapalhões. Ainda me lembro como o Mussum ganhou esse apelido. Foi no programa Bairro Feliz, que eu dirigi na Globo. Ele se chamava Antônio Carlos Bernardes Gomes e era oficial da aeronáutica, mas nas horas vagas participava do seu conjunto Os Originais do Samba. Eles eram presença fixa no Bairro Feliz. Mas o Mussum não gostava de aparecer muito por causa da carreira militar. Tinha medo de perder o emprego. Até que um dia o Grande Otelo entrou em cena, virou-se pro grupo dele e apontou direto pro Antônio Carlos. Tivemos que fechar a câmera nele – ‘ei você aí!’ gritou o Otelo, que na hora esqueceu o nome do Antonio Carlos e improvisou – ‘É você aí mesmo seu... Mussum!’ Mussum é um peixe de pele lisa e escura, com uma carinha sem vergonha, igualzinha à do Antônio Carlos. A platéia veio abaixo. E desse dia em diante o Antônio virou Mussum. O pior é que o oficial dele viu a cena na TV e o chamou pra conversar. ‘Quer dizer que agora o senhor é artista de tevê? Pois pode continuar! Tava muito divertido, Mussum!” Pena que ele não ficou para comemorar esses 70 junto com a gente. Ele merecia.

FIM

Foto - Sergio Zalis

#Globo #TVBrasil #Sherman


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