Estou aproveitando a pandemia para escrever minhas memórias pra deixar pro meu filho. Nela inclui este trecho sobre outro gigante da TV Globo com quem tive o privilégio de trabalhar, assim que comecei na emissora em 1981. Seu nome era Augusto Cesar Vannucci, alguém com quem aprendi muito também e por quem sempre tive muito carinho e uma imensa dívida de gratidão. Aqui está um trecho do livro em que falo dele...
UM GENIO COM NOME DE IMPERADOR ROMANO
Meu primeiro professor de televisão foi Augusto César Vannucci (1934 - 1992). Um dos pais do padrão Globo de qualidade na linha de shows. Vannucci foi ator de cinema, diretor e produtor de televisão. Entrou na Globo meses após a inauguração da emissora, em 1965. E nos anos 70 e 80 foi o diretor e produtor responsável pela maioria de shows de música, humor e variedade da tevê. Programas como Globo de Ouro, Geração 80, Alô Brasil, Aquele Abraço, Chico City, Faça Humor, Não Faça a Guerra, Aplauso e Os Trapalhões. Muitos de seus especiais, como os infantis e musicais, foram premiados no Brasil e no exterior. Entre eles o Balão Mágico, um sucesso com o público infantil. Vannucci era espírita e fez a passagem aos 58 anos de idade, no Rio de Janeiro, vítima de uma isquemia cerebral, em 30 de novembro de 1992.
O seu quartel-general ficava na primeira casinha do Rua Saturnino de Brito, ao lado do Teatro Fênix. Aterrizei lá completamente despreparado. Mas no dia a dia, ao seu lado, junto com o maravilhoso time de profissionais que tinha a sua volta, e observando seu processo criativo, no palco do Teatro Fênix, enquanto ele dirigia com maestria os seus shows, comecei a entender e aprender como se escreve para televisão.
Não quer dizer que esse processo fosse tranquilo e sem sobressaltos. Como um imperador romano, Augusto Cesar tinha momentos de ira igualzinho um Nero ou um Calígula. Para em seguida amainar e nos tratar com a generosidade de um São Francisco de Assis. Apesar da bipolaridade, era muito divertido trabalhar ali, ao seu lado. Vannucci era amigo fiel dos amigos. E valorizava o trabalho profissional e o talento alheio sem inveja ou menosprezo, muito pelo contrário. Nele não havia mesquinhez.
Lembro de uma manhã em que reunidos em sua sala, ele falava a equipe – que incluía o maestro Guio de Moraes, o cenógrafo Frederico Padilha, o coreógrafo Juan Carlos Berardi e roteiristas como Robertinho Silveira, Luís Fernando Verissimo, Expedito Faggione, Stil, Geraldo Alves, Marcos Vasconcellos, Ronaldo Bôscoli, Eloy Santos e Paulo Coelho. Liamos um novo roteiro que em breve seria gravado e ao final da leitura, Vannucci explodiu enraivecido. Aos gritos, vociferou: “Nem no teatrinho furreca de Uberaba, eles apresentariam uma porcaria dessas!”
E seguiu espicaçando o roteiro, incluindo algumas injúrias ferinas e ancestrais.
Só que este era um dia especial: o do seu aniversário. Depois do almoço,
a equipe voltou a sala para continuar a reunião e, quando todos já estavam
sentados, Naligia Santos, a coordenadora de produção, entrou carregando imenso
bolo com velhinhas acesas e todo mundo entoou o “parabéns pra você”. Vannucci ficou
visivelmente emocionado, quase chegando às lágrimas. Mas ao apagar as velinhas.
Começamos a ouvir uma gravação vindo da sala do sonoplasta português, que
ficava bem embaixo da sua. O som que entrava pela janela era de um esporro de
10 anos atrás, só que o discurso era igualzinho do de manhã. As palavras e o
furor eram os mesmos. Todo mundo caiu na gargalhada, inclusive ele. Assim era o
Vannucci, um vulcão a beira da erupção, mas a fumaça e os ruídos eram apenas
cenográficos.
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