Já falei do Sherman, já falei do Vannucci, não poderia deixar de falar de Ronaldo Curi. Ele foi o criador e diretor do VIDEO SHOW de 1983 a 1987. Foi quem idealizou o programa, agregou a equipe e fez dele um clássico da TV. Um sucesso que durou até 2019, quando o programa foi tirado do ar, emocionado e triste, escrevi a respeito contando minha participação na empreitada. Talvez tenha deixado de falar mais sobre o carinho, admiração e afeto que tinha pelo Ronaldo. Além de meu diretor ele foi meu amigo, que me recebeu em sua casa junto com sua família, a mim e a minha esposa. Sua morte prematura foi muito dolorosa pra mim. Ele era jovem e ainda faria muita coisa boa na TV e nesse mundo. Mas, como dizem, os bons vão antes. Nessa hora em que homenageio a TV e as pessoas que me ensinaram a trabalhar nela, precisava homenageá-lo. E, relendo o que escrevi em janeiro de 2019, quando o VIDEO SHOW saiu do ar, achei que tudo que devia ser dito estava lá. Por isso recoloco aqui, para quem não leu, e para quem já leu poder relembrar esse grande sujeito e artista que foi Ronaldo Curi. Um nome que devia ser sempre lembrado quando se fala de TV no Brasil.
O FIM DE UM
CLASSICO
O crítico
americano Lawrence Clark Powell definiu uma criação como sendo “clássica” por
se manter sempre “moderna e seu autor, embora morto há muito tempo, continuar
falando a cada nova geração”.
Nesse
sentido o VIDEO SHOW realmente era um programa de TV clássico. Apesar da ideia
original ter se transformado ao longo dos anos – e talvez por isso mesmo ter
perdido a eficácia em obter audiência – mas era um programa eternamente “novo”
e seu criador, Ronaldo Curi continuou assim a falar às novas gerações.
Fiquei
sabendo que no último programa da série não mencionaram o Ronaldo Curi, seu
criador. O que realmente foi uma injustiça. O VIDEO SHOW foi criação total
dele. Um projeto que ele colocou no ar e cuidou, enquanto foi seu diretor, como
mais um de seus filhos. Com carinho, dedicação total e muito zelo.
Eu conheci
Ronaldo e o programa poucos meses depois de ter começado, em 1983. Eu estava
saindo de um projeto com vida curta, o COMETA LOUCURA, que fora criado para
substituir o GERACAO 80 que eu recebi das mãos do Paulo Coelho. O COMETA foi
criado pelo Ayres Vinagre, eu e o Ronaldo Bôscoli. A proposta era boa – unir
humor e música jovem -- mas entre a elucubração e a realização, morremos na
praia.
Fui então
designado para tomar parte no VIDEO SHOW que começava a decolar. Pouco depois
de entrar, vieram também o Rixa Xavier, o Mauro Wilson e o Paulo de Andrade.
Tudo sangue novo e pronto pra dar um reforço no time de redatores do VIDEO
SHOW, que na época contava com veteranos como o Papinha, o nosso querido Hilton
Gomes.
O VIDEO
SHOW surgira na cabeça do Ronaldo, um homem de TV que já havia feito de tudo na
televisão e entendia tanto da parte artística, quanto da parte técnica de se
fazer TV. Para se ter uma ideia, quem criou a abertura do programa, seja a
edição de imagens, seja a escolha da música – um trecho instrumental do sucesso
de Michael Jackson “Don’t Stop ‘Til you Get Enough” (1979) e que até hoje era
usada na abertura do programa – tudo isso saiu da cabeça do Ronaldo. Além de
entender muito de TV, ele era um músico apaixonado por Rock’n Roll.
Homem de
poucas palavras, mas muito sensível, Ronaldo notou que seus jovens agregados
tinham boa cabeça e talento. E resolveu investir na gente. Nos mandou para o
prédio 266 da Jardim Botânico, onde a Globo tinha uma área de treinamento e nos
fez aprender a editar com maquinas U-Matic (3 ¾), Equipamento de edição
profissional, que na época era usado pelo jornalismo.
Os 4
cavaleiros do apocalipse – eu, Rixa, Mauro e Paulo – tínhamos que semanalmente
produzir 4 matérias editadas de 2 minutos, para serem usadas no programa no fim
de semana. Cada roteirista tinha uma estante onde colocava as fitas em que
estava trabalhando. A pesquisa de imagens e pauta corriam por nossa conta. Cada
um de nós tinha que bolar algo, pesquisar e apresentar na reunião.
Éramos o
único programa da linha de show que abusava do pessoal da pesquisa da Globo.
Tanto do pessoal do CEDOC de imagens (Vera e Petit), como as moças da pesquisa
de texto (Laura, Silvia e demais pesquisadoras). E, todos os dias, de 1 as 4,
entravamos com nossas fitas nas ilhas de edição U-Matic do jornalismo, na Vênus
Platinada, para editar nossas matérias sozinhos. Era uma farra. Anos à frente,
os 4 fazíamos algo que só seria possível, anos depois, com o advento dos
computadores pessoais, os celulares de hoje e demais programas de edição. Foi
um dos momentos mais bacanas da minha vida profissional. Uma grande escola. E,
o resultado é que a audiência do VIDEO SHOW só fez crescer e criar um público
cativo.
Naquele
tempo o VIDEO SHOW não fazia reportagens somente sobre a produção da própria
emissora. Na verdade, seguindo orientação da direção geral, não podíamos
mostrar muito os bastidores da Globo, porque achavam que a gente estaria
“destruindo a mágica” na mente do público... Com isso tínhamos que buscar
conteúdo em outras fontes, abrangendo todo o mundo audiovisual restante.
Isso tudo
aconteceu muito antes do Google e do Youtube. A gente escrevia o programa em
maquinas de escrever não elétricas... A MTV começava a se estabelecer com seus
Music Vídeos e a gente mostrava tudo que havia de interessante ligado ao mundo
das imagens.
Eu e Paulo
Andrade traduzíamos os musicais da MTV do inglês para o português, para que o
público pudesse entender a letra das músicas. E o Rixa já garimpava imagens de
novelas e seriados para editar sessões infindas de beijos, tapas e outras
curiosidades.
Nesse
clima, eu aproveitei para me dedicar aos assuntos que me encantavam, como o
cinema. Criei entrevistas impossíveis com astros do cinema como Burt Reynolds e
Roger Moore, respondendo perguntas insolentes feitas pela Carla Camurati e
dubladas pelos dubladores oficiais da Globo, desses artistas.
Também
comecei uma serie sobre a história do cinema, usando o arquivo de imagens da
própria Globo e que fez sucesso ao ponto de receber um memorando elogiativo do
Boni, coisa muito rara na época. Ele em geral só escrevia memorandos pra
esculachar.
O que mais
me orgulho desse tempo, foram as matérias que criei e que resgataram um pouco a
memória nacional. Como as máximas do Barão de Itararé, ilustradas com imagens
de arquivo do próprio Aparício Torelli; o primeiro punk do mundo – Augusto dos
Anjos – com atores, cenário e música para mostrar como a poesia dele já era
atual no início do século XX; uma entrevista impossível com Nelson Rodrigues,
com Lucélia Santos fazendo as perguntas e Nelson respondendo através de trechos
pinçados de suas antigas entrevistas, que tínhamos no CEDOC. E, a mais legal -
reunir o Falcão Negro (TV Tupi) do Rio, Gilberto Martinho e o de São Paulo,
José Parisi, com suas fantasias, pela primeira vez apresentadas em cores na TV
desde os anos 50 e 60.
Ronaldo nos
deixou voar alto e criar, mesmo dentro de um simples programa de variedades.
Além de música, ele era ligado no que se fazia de melhor e mais inovador no
exterior em matéria de humor. Eu já conhecia o Monty Python de uma época que
havia vivido na Inglaterra, mas foi ele quem me apresentou ao sensacional
falso-documentário “The Rutles”, criado por Eric Idle do Monty Python, nos anos
70. Uma paródia dos Beatles que acabou lançando até disco de sucesso na Grã-Bretanha.
Foi também
o Ronaldo quem me apresentou ao “Saturday Night Live” e seus esquetes. O TV
PIRATA só surgiu em 1988, mas em 1983 e 1984, A gente já fazia no VIDEO SHOW
esquetes do tipo dos do SNL.
Escrevo
tudo isso porque agora que o programa acaba e pouco se falou no Ronaldo, achei
importante resgatar essas memorias. E também escrevi para dizer que talvez se
tivessem olhado o que o programa fazia no seu gênesis, com sua riqueza de
conteúdo e criatividade, poderiam ter encontrado um caminho para salvá-lo e
recuperar a sua audiência.
Sei também
que o Rixa, o último dos mosqueteiros (nosso D’Artagnan), ao longo dos anos,
tentou imprimir um pouco dessa criatividade e inovação no programa. Sempre que
o ouviram, a coisa deu certo. Sempre que não seguiram suas sugestões, a canoa
virou...
Nos últimos
tempos o VIDEO SHOW mudou de apresentadores numa ciranda sem fim. Mas a
apresentação do programa nunca foi seu ponto forte.
Quando o
programa começou ele tinha apenas uma apresentadora. Como não havia verba para teleprompter
e eles demoravam pra gravar pelas dificuldades de decorar as falas das cabeças,
Ronaldo resolveu o problema convocando para a presentar o programa, vários
atores da casa que estavam contratados, mas fora das novelas. O rodízio de
apresentadores deu ao programa um ar de “bastidores da TV” com caras diferentes
e conhecidas na sua apresentação. Era tão barata a produção que o set do
programa era uma ilha de edição da emissora usada quando não estava editando
nada... Pouco dinheiro, mas muita criatividade e imaginação, esse era o segredo
do sucesso do VIDEO SHOW.
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