SHTISEL 1 by
Wladimir Weltman
I
don't know who said that writing faithfully about our own microcosm allows us
to touch the heart of the whole world. I think this is true because we are all
essentially equal as human beings...
I have almost
finished seeing the Israeli TV series SHTISEL, which tells the saga of this
family of Haredim, ultra-Orthodox Jews living in the old neighborhoods of Mea
Shearim and Geula in Jerusalem.
Shulem Shtisel
is the family’s patriarch. According to the neighborhood matchmaker Shulem is
an "inveterate smoker and glutton", but Shulem prefers to be seen as
a "father and educator". He's all those things... Despite being a
father who deeply loves his children, he believes that educating them is the
most important thing to do in his life. It is a pity that his lessons are the
fruit of a logic built upon ancient tradition and old customs. The heart,
unfortunately, is always left aside, perhaps overwhelmed by cholesterol and
smoke, which he consumes in quantities...
The other series’
protagonist is Akiva, the youngest son of Shulem. Sensitive, he still suffers
from the loss of his mother and is divided between following the father's
footsteps – marrying a girl chosen by the matchmaker and his father; becoming
another teacher at the school where the father is also a teacher. Or follow his
heart, marrying the woman he loves and becoming the painter he was born to be.
In the plot there
are other exquisite characters, such as Giti, Akiva’s sister, a heroine of iron
will; Tzi-Arie, the brother who wanted to be a singer but became a Talmud
scholar; Malka, the clan’s grandmother who enjoys American soap operas on TV. A
rich, human, interesting universe, where we gladly immerse ourselves watching
the Israeli series.
I can't stop watching
it and thinking about it.
The
construction of the characters and their universe is delicate and endearing.
And the essential plot, which encompasses all the characters reminds me of a
visit I made to Israel in 1973.
Among other
places I visited the city of Nablus (Shechen) in the West Bank, to meet a
fossil group of people: the Samaritans. Yes, I mean exactly to the people of
that New Testament character, the Good Samaritan, who helped a traveler in the
Gospel.
The Samaritans could
be Hebrews of the tribes of Ephraim and Menashe that were not taken in
captivity to the exile in Babylon. When the other Jews returned from exile, there
was a misunderstanding between the two groups. Their traditions had become
differentiated and they went separate paths...
Centuries have
passed, and the Samaritans remained faithful to their traditions living around
Mount Grizin, alongside Nablus. Unfortunately, in those 2000 years they only
married within the community. When we visited them in the 70s, they were dying --
the children began to be born with all sorts of terrible congenital diseases.
But what does
this have to do with the SHTISEL TV series?
Among the many
things the series has made me think about, was that this group of Orthodox Jews
of the series have a lot in common with the Samaritans of Nablus. They live in
these neighborhoods of Jerusalem, isolated, in a glass dome, with customs and
practices frozen in a remote past. Although ancient, this way of life it is not
necessarily biblical. It’s something that the Haredim brought from Europe. If
Moses would descend from heaven to visit them today, he would not understand
why they wear black long jackets and those funny furry hats, a fashion typical
of eastern Europe of the nineteenth century. Moses would never have crossed the
desert for 40 years wearing these clothes...
The fact is
that today, in 2019, the Haredim still live like this. Mea Shearim, still is a
Jewish ghetto inside the Jewish state. They do not serve the Israeli army, and
many of them sincerely do not accept the creation of the State of Israel
itself. For them Israel will only be possible with the coming of the Messiah.
Everything in their
world revolves around the tradition and reading of Jewish law in its most
archaic form. And despite the profound and affective family ties, they
sacrifice everyone to avoid bursting this retrogressive bubble in which they
live isolated from the world and that imprisons them in an ancestral past.
Criticizing
them is easy, but how much we ourselves do not create our social isolation
bubbles, in which we accommodate and protect ourselves from our deepest desires
and dreams?
How much do we
not imitate the Jews and the Samaritans in their millennial ruses, to divide us
in extreme positions, through the Internet and other forums, pointing fingers
and accusing each other, owners of a truth whose validity seems to have a
divine seal?
“Hell is the
other people,” the good old Jean Paul Sartre said.
SHTISEL 1 por Wladimir Weltman
Não sei quem foi que disse que escrever
com fidelidade sobre nosso microcosmo nos possibilita tocar o coração do mundo
inteiro. Somos todos nós, seres humanos, essencialmente iguais...
Estou quase acabando de ver a serie israelense SHTISEL,
que conta a saga dessa família de Haredim, judeus ultra ortodoxos que vivem nos
antigos bairros de Mea Shearim e Geula, em Jerusalém.
Shulem Shtisel é o patriarca da família. O
casamenteiro do bairro o classifica como “fumante inveterado e comilão”, mas
Shulem prefere ser visto como “pai e educador”. Ele é as quatro coisas...
Apesar de ser um pai que ama profundamente os filhos, ele acredita que os
educar é a coisa mais importante a fazer na vida. Pena que suas lições são
fruto apenas de uma lógica edificada na tradição e nos costumes. O coração,
infelizmente, é sempre deixado de lado, talvez sobrecarregado pelo colesterol e
pelo fumo, que consome em quantidades...
O outro protagonista da série é Akiva, o filho mais
novo de Shulem. Sensível, ele ainda sofre com a perda da mãe e está dividido
entre seguir os passos do pai – casando-se com uma moça escolhida pelo
casamenteiro e seu pai; tornando-se mais um professor da escolinha onde o pai
também é professor. Ou seguir o seu coração, casando-se com mulher que ama e
tornando-se o artista plástico que nasceu para ser.
Na história ainda temos personagens primorosos como
Giti, a irmã de Akiva, uma heroína de vontade de ferro; Tzi-Arie, o filho que
queria ser cantor e virou acadêmico do Talmud; Malka, a avó do clã que curte
novelas americanas na TV. E por aí vai. Um universo rico, humano,
interessantíssimo, no qual mergulhamos ao assistir a serie israelense.
Eu não consigo parar de ver e de pensar nela.
A construção dos personagens e de seu universo é
primorosa. E a trama essencial, que envolve todos os personagens me faz lembrar
de uma visita que fiz a Israel em 1973.
Entre outros lugares visitei a cidade de Nablus
(Shechen) na Cisjordânia, para conhecer um povo fóssil: os Samaritanos. Sim,
refiro-me exatamente ao povo daquele personagem do Novo Testamento, o bom
Samaritano que ajudou o viajante do evangelho.
Os Samaritanos seriam hebreus das tribos de Efraim e
Menashe e que não teriam sido levados para o exilio da Babilônia. Quando seus
irmãos voltaram do exilio, os dois grupos se estranharam. Suas tradições haviam
se diferenciado um pouco e eles seguiram caminhos diferentes...
Séculos se passaram e os Samaritanos mantiveram-se
fiéis as suas tradições vivendo em torno do monte Grizin, ao lado de Nablus.
Infelizmente nesses dois mil anos eles só se casaram entre si. Com isso, quando
os visitamos nos anos 70, estavam morrendo -- as crianças começaram a nascer
com todo tipo de doenças congênitas terríveis. Creio que nessa época foi que
passaram a aceitar o casamento de seus filhos com mulheres de fora da
comunidade, para evitar o fim inevitável. Testes de DNA mostram que eles são
geneticamente mais próximos dos judeus, do que dos árabes palestinos seus
vizinhos. Ainda assim os judeus os veem como sendo árabes e os árabes os veem
como sendo judeus.
Mas o que isso tem a ver com o seriado SHTISEL?
Entre as muitas coisas que a serie me fez pensar, é
que é incrível que esse grupo de judeus ortodoxos apresentados no seriado são
como os Samaritanos de Nablus. Eles vivem nesses bairros de Jerusalém, isolados,
numa redoma de vidro, com costumes e práticas congeladas num passado remoto.
Apesar de antigos, esse modo de vida não chega a ser bíblico. É algo que os
Haredim trouxeram da Europa. Caso “Moshé Rabeino” (o Moises da Bíblia) descesse
do céu para visita-los, não entenderia o porquê dos negros casacões longos e
seus chapéus peludos, todos típicos da Europa oriental do século XIX. Moises
jamais teria cruzado o deserto por 40 anos com essas roupas...
O fato é que hoje, em 2019, eles ainda vivem assim.
Mea Shearim, ainda é um gueto judeu dentro do Estado Judeu. Eles não servem o
exército israelense e, muitos deles, sinceramente, não aceitam a criação do
próprio Estado. Para eles Israel só será possível com a vinda do Messias.
Tudo no seu mundo gira em torno da tradição e da leitura
da lei judaica na sua forma mais arcaica. E, apesar dos profundos e afetivos laços
familiares, eles sacrificam a todos evitando estourar essa bolha retrograda em
que vivem isolados do mundo e que os aprisiona num passado ancestral.
Critica-los é fácil, mas o quanto nós mesmos não
criamos nossas bolhas de isolamento social, em que nos acomodamos e nos
protegemos de nossos desejos e sonhos mais profundos?
O quanto não imitamos os judeus e samaritanos em suas
rusgas milenares, aos nos dividirmos em posições extremadas, através da
internet e demais fóruns, apontando dedos e acusando-nos mutuamente, donos de
uma verdade cuja validade parece ter uma chancela divina?
“O inferno são os outros”, já dizia o velho e bom Jean
Paul Sartre.